life.

Nin sempre soube que havia algo de errado com ele. Desde criança, via vultos onde ninguém mais via, ouvia vozes que sussurravam coisas que não compreendia. No começo, tentou ignorar. Mas os fantasmas nunca o ignoraram. Eles o chamavam, seguiam-no pelos corredores da escola, refletiam-se nos vidros das janelas, sorrisos tortos em rostos pálidos. Quando, aos seis anos, contou à professora que uma mulher sem olhos ficava sentada ao lado do quadro negro, veio a primeira visita ao psicólogo. Depois disso, vieram os risos, as brincadeiras cruéis, os empurrões nos corredores. “Louco”, “assombrado”, “aberração”. Ele aprendeu a ficar calado. Mas os mortos não.Agora, aos 23 anos, Nin se escondia entre as estantes empoeiradas da biblioteca onde trabalhava. Ali, ninguém falava com ele. O silêncio era absoluto — ao menos para os vivos. A biblioteca tinha algo peculiar, uma presença que Nin sentia desde o primeiro dia. O ar ali era mais pesado, carregado com uma umidade estranha, um cheiro de papel mofado e algo mais… algo podre.Ele se habituara aos fantasmas do lugar. Uma menina que sempre aparecia entre as prateleiras de literatura clássica, as mãos pequenas segurando um livro sem capa. Um homem sem rosto que ficava imóvel na seção de história, como se esperasse ser reconhecido. Mas naquela noite, algo estava errado.Enquanto organizava livros velhos na última prateleira, Nin sentiu um frio intenso subir por sua coluna. O cheiro pútrido aumentou. Ao se virar, viu algo que não esperava.A mulher estava ali, pálida como papel, os olhos arregalados, negros como buracos sem fim. Mas o que mais o incomodou foi a boca — não havia lábios, apenas uma abertura grotescamente larga, costurada de um lado ao outro. Ela tentava falar.Nin sentiu a garganta secar.As linhas que costuravam sua boca começaram a se romper, uma a uma, com um som úmido e repugnante. A mulher moveu os lábios ensanguentados e, pela primeira vez, ele quis tapar os ouvidos.Porque desta vez, ele sabia que não queria ouvir.

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